Se você já passou ou conhece alguém que passou pelo processo de inventário de bens, sabe que pode ser um caminho complicado, cheio de burocracias e procedimentos demorados. No entanto, uma nova resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Resolução nº 571 de 2024, trouxe mudanças importantes que simplificam bastante esse processo. Vamos explicar o que mudou e como essas alterações podem beneficiar quem precisa lidar com inventários, partilhas, separações consensuais e outros procedimentos relacionados.
1. Escolha do Tabelião de Notas: Mais Liberdade e Conveniência
Uma das mudanças importantes foi em relação à escolha do tabelião de notas para a lavratura do inventário extrajudicial. Antes, a Resolução n. 35 do CNJ estabelecia uma limitação territorial para a escolha do tabelião, o que significava que o inventário deveria ser realizado no tabelionato localizado no domicílio do falecido ou no local onde estavam os bens.
Contudo, essa restrição já vinha sendo superada por outras normativas, como o Provimento nº 100/2020 do CNJ, que regulamentou os atos notariais eletrônicos e permitiu que a escritura pública de inventário pudesse ser lavrada de forma remota com qualquer tabelião no Brasil.
Portanto, a recente alteração na Resolução 35 do CNJ veio formalizar essa prática, assegurando que as partes têm liberdade total para escolher o tabelião de sua preferência, independentemente da localização dos bens ou do domicílio do falecido. Com isso, evita-se interpretações divergentes e assegura-se maior flexibilidade e conveniência para as famílias, que podem optar pelo tabelionato que oferece o melhor atendimento ou condições.
2. Possibilidade de Inventário em Cartório com Menores ou Incapazes
Como Era Antes: Caso houvesse herdeiros menores de idade ou incapazes, o inventário deveria ser conduzido obrigatoriamente na via judicial. Isso impunha um obstáculo mesmo quando todos os interessados estivessem de acordo com a partilha, prolongando o tempo e os custos envolvidos.
Como Ficou Agora: Com a atualização, o inventário extrajudicial pode ser realizado mesmo que existam herdeiros menores ou incapazes, desde que sejam observadas algumas condições específicas, como a quitação do quinhão hereditário em partes ideais e a manifestação favorável do Ministério Público. Essa mudança proporciona mais flexibilidade e rapidez, evitando a necessidade de judicialização em casos consensuais.
3. Inventário no Cartório Mesmo com Testamento
Como Era Antes: A presença de um testamento significava, automaticamente, que o inventário precisava ser processado judicialmente, independentemente de haver consenso entre os herdeiros ou se o testamento era claro e não gerava dúvidas.
Como Ficou Agora: A nova regra permite que o inventário e a partilha sejam feitos em cartório, mesmo que exista um testamento, mas com algumas condições importantes. Para que o inventário possa ser realizado de forma extrajudicial (no cartório) nesses casos, é necessário que:
Todos os herdeiros estejam representados por um advogado habilitado. Isso garante que todos os interesses sejam devidamente assistidos e que o procedimento siga de forma correta.
- Haja uma autorização expressa do juízo competente para a abertura e o cumprimento do testamento, por meio de uma sentença que já tenha transitado em julgado. Ou seja, o juiz deve ter validado o testamento e autorizado a partilha extrajudicial.
- Todos os herdeiros sejam maiores de idade, capazes e estejam de acordo com a partilha. Isso significa que não pode haver discordância entre os herdeiros sobre como os bens serão divididos.
- Se houver herdeiros menores de idade ou incapazes, devem ser seguidas as exigências do artigo 12-A da Resolução 35. Isso geralmente envolve a proteção dos direitos desses herdeiros, que pode incluir a aprovação do Ministério Público.
- Se o testamento tiver sido invalidado, revogado, rompido ou tiver caducado, essa situação deve ter sido declarada por meio de uma decisão judicial definitiva (transitada em julgado). Apenas com essa decisão, o inventário pode seguir pela via extrajudicial.
Além disso, o cartório deve verificar se o testamento não contém disposições que exijam a via judicial, como o reconhecimento de um filho ou outra declaração irrevogável. Se houver dúvidas sobre a possibilidade de fazer o inventário em cartório, o tabelião deve encaminhar o caso para que o juiz competente decida.
4. Gratuidade de Escrituras Extrajudiciais
Como Era Antes: A gratuidade na lavratura de escrituras de inventário, partilha, divórcio, separação de fato e extinção de união estável consensuais já era prevista, mas a norma não era explícita em todas as situações, levando a possíveis interpretações restritivas.
Como Ficou Agora: A nova redação reforça a gratuidade desses atos, ampliando o entendimento e garantindo que os cartórios cumpram essa determinação. Essa clarificação é especialmente importante para reduzir os custos envolvidos e incentivar o uso da via extrajudicial.
5. Autorização para Alienação de Bens do Espólio pelo Inventariante
A Resolução atualizada permite que o inventariante seja autorizado, por meio de escritura pública, a alienar (vender) bens móveis e imóveis que fazem parte do espólio, sem a necessidade de autorização judicial. Para que essa alienação seja realizada, algumas condições específicas devem ser observadas:
- Discriminação das Despesas do Inventário: Na escritura pública de inventário, deve haver uma descrição detalhada das despesas envolvidas no processo, como o pagamento dos impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos notariais e registrais, além de outros tributos e despesas necessárias para a lavratura da escritura de inventário.
- Vinculação do Preço de Venda ao Pagamento das Despesas: A escritura deve vincular parte ou todo o valor obtido com a venda dos bens ao pagamento das despesas discriminadas no inciso anterior. Isso garante que os recursos obtidos com a alienação dos bens sejam usados prioritariamente para cobrir os custos do inventário.
- Verificação de Indisponibilidade de Bens: A escritura pública deve confirmar que não há indisponibilidade de bens envolvendo quaisquer dos herdeiros ou o cônjuge ou convivente sobrevivente. Essa verificação é fundamental para assegurar que os bens podem ser livremente alienados.
- Comprovação do Pagamento de Impostos de Transmissão: A escritura deve mencionar que todas as guias dos impostos de transmissão foram apresentadas e especificar os seus respectivos valores. Esse requisito garante que os tributos estão devidamente quitados ou provisionados.
- Indicação dos Emolumentos Notariais e Registrais: O texto da escritura precisa consignar os valores estimados dos emolumentos notariais e registrais e indicar as serventias extrajudiciais que forneceram os respectivos orçamentos. Isso traz clareza e transparência sobre os custos envolvidos.
- Prestação de Garantia pelo Inventariante: O inventariante deve prestar uma garantia, seja real (como hipoteca) ou fidejussória (como fiança), assegurando que o produto da venda dos bens será utilizado para o pagamento das despesas discriminadas. Essa garantia é extinta assim que a obrigação de pagar as despesas for cumprida.
Além dessas condições, é importante observar que:
- Prazo para Pagamento das Despesas: O prazo máximo para o pagamento das despesas do inventário não pode ser superior a um ano a partir da data de venda do bem, embora as partes possam acordar um prazo menor.
- Inclusão do Bem no Acervo Hereditário: O bem alienado deve ser relacionado no acervo hereditário para os fins de cálculo dos emolumentos do inventário, apuração dos quinhões hereditários e cálculo do imposto de transmissão “causa mortis”. No entanto, o bem não será objeto de partilha, sendo consignada na escritura a sua venda prévia.
Essas regras visam garantir a transparência e segurança jurídica na alienação de bens do espólio, assegurando que os recursos sejam devidamente destinados ao pagamento das obrigações do inventário e protegendo os direitos dos herdeiros envolvidos.